Por Lwsinha
Eu vi a Rosalinda no meu escritório pela primeira vez há umas seis semanas. Ela veio até a mim voluntariamente, sem ter sido referida por alguém, dizendo que precisava de ajuda para o Jona, o filho de 4 anos, que “estava muito rebelde. Ele não ouve, é super irrequieto. O pai chateia-se porque eu não o educo bem, mesmo estando em casa.”
Nem estava eu a conversar com ela há 10 minutos quando marido ligou para saber aonde estava. Ela disse que tinha de responder. Menos de meia hora dai ele liga novamente e liga mais duas vezes antes de terminar a sessão de avaliação. Rosalinda já o havia dito a primeira vez que estava a encontrar-se comigo.
Meia hora antes de terminada a sessão, pedi que a recepcionista do meu escritório ficasse com o Jona para eu falar com a mãe.
- Rosalinda, gostaria de vê-la sozinha. Gostaria de ter informação adicional.
- Está tudo bem no seu lar? E no seu casamento?
- É claro que está tudo bem. Porquê a pergunta?
- Notei-a tensa cada vez que o seu marido ligou.
- Não estou tensa. Só não o quero desapontar. Ele não gosta quando eu não o atendo, apesar de nem sempre ele atender quando eu preciso dele. Eu não trabalho, apenas fico em casa e ele é que trabalha para manter a família.
- Mm-hum!
- Ele sempre foi o único que trabalhou?
- Não. Eu trabalhei até engravidar. Depois de um mini repouso após ameaça de aborto, o Marcelo achou que eu não devesse mais trabalhar. Eu vivo por eles.
- Por eles?
- Sim, pelo Marcelo e o Jona. O Marcelo viaja muito e as vezes por longo tempo. Eu cuido da casa e deles. Nem mais tempo tenho para as minhas amigas. Ele também diz que algumas delas são solteiras e que eu não devo rodear-me de mulheres solteiras.
- Não tens tempo para as amigas?
- Não. Eu cuido do Jona que tem de estar na cama antes do Marcelo chegar. Quando ele chega, o Marcelo quer a minha atenção.
- E quando ele viaja?
- Nós chegamos a um acordo que quando ele viaja eu fico apenas em casa. Eu estou bem assim porque dessa forma evito problemas de fofocas e disses-me-disses.
- E quando ele viaja por longos períodos como menciona?
- Eu saio de casa e faço. Mas por exemplo, ele ama-me de tal forma que eu não posso comprar nada sem o mostrar. Não podemos tirar férias sem que ele esteja. Às vezes vamos apenas eu e o Jona, mas ele prefere que esperemos pela disponibilidade dele para irmos ao cinema juntos.
- Ai sim!?
- Somos muito amigos. Ele tem acesso as minhas contas de email, bancárias, etc.. Por causa da complexidade e sensibilidade do tipo de serviço que ele faz, eu não tenho acesso aos dele.
E assim foi a minhas entrevista de valiação do caso. Apenas ouvi-a. O Jona acabou por trabalhar com uma das minhas companheiras de escritório com maior experiência com crianças antes dos 4 anos. Ela trabalha igualmente com a mãe à ajudá-la a entender o ciclo ou a roda do poder e controle (link da imagem), assim como a roda da igualdade (link da imagem), para que ela aprenda a disparidade existente no casamento dela (imagens via Paz, Felicidade e Amor).
Como muitas das estórias que partilho com teor sério, esta também é fictícia. Esse trecho, em particular, foi retirado de uma estória em desenvolvimento de momento. Há por aí muitas Rosalindas e muitos Marcelos, por vezes até relações aonde as vítimas são os homens.
Analisando esse caso usando o ciclo do poder e controle, pode concluir-se que o Marcelo usa o poder econômico isola a Rosalinda a e usa o privilégio pelo facto de ser homem a seu favor. Sem ter partilhado mais detalhes, é fácil assumir que ele também possa intimidá-la ou usar controle psicológico para mantê-la no predicamento em que se encontra. Ela aceita que ele tenha as suas senhas de email, banco, etc., mas ele não a da acesso aos dele.
Profissionalmente, há um dos privilégios masculinos que inicialmente pasmava-me ver que muitos mulheres desconhecem. Hoje já não é surpresa ver que mulheres não entendem esse direito seu, que é não deixar que sejam forçada a fazer qualquer que seja o ato sexual; que ato sexual forçado significa violação. Muitas mulheres aceitam que por ser o parceiro delas, elas têm de aceitar o que os parceiros querem com prioridade ao que ela possa querer ou não.
Sei que esse não é um assunto apenas relacionado aos filhos e tão pouco, um tópico como muitos partilhados aqui. Mas é a realidade para muitas mulheres e alguns homens ao nosso redor, quer sofram violência doméstica ou apenas vivem circunstâncias de poder e controle excessivo. Partilho hoje e há semanas que ando com esse tópico preso na mente, pois precisamos educar-nos para sabermos identificar os predadores e/ou ajudarmos alguém a consciencializar-se desse tipo de dinâmica nas suas relações.
Se alguma de vocês que por aqui passam estão nesse momento a viver situações que identificam no ciclo, ou conhecem uma mulher nesse predicamento, tentem conversar com alguém em quem confiem para ajudar-vos a encontrar soluções. Caso não queira partilhar com alguém que conhece pessoalmente, procure falar com o pediatra dos seus filhos, líder religioso, seu doutor ou procure por psicólogos/conselheiros.
Lwsinha é autora do blog O outro lado da Lwlw.
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5 comentários:
Eu conheço pelo menos duas "Rosalinda"...
Triste realidade ainda nos dias de hoje.
Obrigada pela participação,
Bjus Genis e Equipe MR
Nossa... não conheço nenhuma "Rosalinda" mas fico imaginando como deve ser terrível uma vida assim!
beijos
www.aprendendoasermaehoje.com
É realmente é triste imaginar uma vida dessa maneira!
Não sou uma Rosalinda, disso eu posso afirmar! rs
Beijos
Muitas vezes é difícil acreditar que ainda existam pessoas assim... mas infelizmente existem!
Foram criadas de que forma?
Ele pra privar e ela por aceitar tamanha prisão...
Que este texto chegue a pessoas que estejam vivendo assim e que se libertem e peçam socorro é o que podemos desejar, bjs
Esse texto é realmente para as "Rosalindas", mas para educar-nos e estarmos atentas a elas por aí para podermos apoiar-las. É importante aceitarmos que infelizmente elas possam não estar prontas ou dispostas a abrir o olhos quando as abordamos. Eles (Rosalindas e Rosalindos) por vezes são tão dependentes nesses parceiros quanto os viciados em drogas e outras substâncias são viciados nessas coisas.
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